No banco de jardim
NO BANCO DE JARDIM
No Banco de jardim
o tempo se desfaz
e resta entre ruídos
a corola de paz.
No banco do jardim.
a sombra se adelgaça
e entre besouro e concha
de segredo, o anjo passa.
No banco de jardim,
o cosmo se resume
em serena parábola,
impressentido lume.
Carlos Drummond de Andrade (Brasil, 1902-1987)
Pintura: Pierre Auguste Renoir (França, 1841-1919)
No banco de jardim…
No Banco de jardim
o tempo se desfaz
e resta entre ruídos
a corola de paz.
No banco do jardim.
a sombra se adelgaça
e entre besouro e concha
de segredo, o anjo passa.
No banco de jardim,
o cosmo se resume
em serena parábola,
impressentido lume.
Carlos Drummond de Andrade
In ‘Poesia Completa’
EDWARD KILLINGWORTH JOHNSON
LUDOVICO MARCHETTI
CRISTIANO BANTI
THÉO VAN RYSSELBERGHE PAUL PEEL
JULIUS LEBLANC STEWART ARTHUR WARDLE
ERNESTO DE LA CÁRCOVA DELAPOER DOWNING
WILLIAM OLIVER ALPHONSE HIRSCH
Trio: No meio do caminho…
THOMAS BROOKS (Inglaterra, 1818-1891)
EMILE EISMAN SEMENOWSKY (Pintor franco-polonês – 1857-1911)
CESARE AUGUSTE DETTI (Itália, 1847-1914)
NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade
Casa arrumada…
Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas…
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida…
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras
e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas,
que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante, passaporte
e vela de aniversário, tudo junto…
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos…
Netos, pros vizinhos…
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca
ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.
Arrume a sua casa todos os dias…
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela…
E reconhecer nela o seu lugar.
Carlos Drummond de Andrade
Pintura: Francis Coates Jones (EUA, 1857-1932)
Foi-se a Copa?
Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.
Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.
O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.
Carlos Drummond de Andrade
Desenho: Regina Mendonça
Dois sonhos
O gato dorme a tarde inteira no jardim.
Sonha (?) tigres enviesados a chamá-lo
para a fraternidade no jardim.
Gato sonhando, talvez sonho de homem?
Continua dormindo, enquanto ignoro
a natureza e o limite do seu sonho
e por minha vez
também me sonho (inveja) gato no jardim.
Carlos Drummond de Andrade
Pintura: Ralph Hedley (pintor inglês – 1848-1913)
Viver não doi…
VIVER NÃO DOI
Definitivo, como tudo que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
Mas das coisas que foram sonhadas
E não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor ?
O certo seria a gente não sofrer,
Apenas agradecer por termos conhecido
Uma pessoa tão bacana,
Que gerou em nós um sentimento intenso
E que nos fez companhia por um tempo razoável,
Um tempo feliz.
Sofremos por quê?
Porque automáticamente esquecemos
O que foi desfrutado e passamos a sofrer
Pelas nossas projeções irrealizadas,
Por todas as cidades que gostaríamos
De ter conhecido ao lado de nosso amor
E não conhecemos,
Por todos os filhos que
Gostaríamos de ter tido juntos e não tivemos,
Por todos os shows e livros e silêncios
Que gostaríamos de ter compartilhado,
E não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados
Pela eternidade.
Sofremos não porque
Nosso trabalho é desgastante e paga pouco,
Mas por todas as horas livres
Que deixamos de ter para ir ao cinema
Para conversar com um amigo,
Para nada, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe
É impaciente conosco,
Mas por todos os momentos em que
Poderíamos estar confidenciando a ela
Nossas mais profundas angústias
Se ela estivesse interessada
Em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu,
Mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos,
Mas porque o futuro está sendo
Confiscado de nós,
Impedindo assim que mil aventuras
Nos aconteçam,
Todas aquelas com as quais sonhamos e
Nunca chegamos a experimentar.
Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo,
Mais me convenço de que o
Desperdício da vida
Está no amor que não damos,
Nas forças que não usamos,
Na prudência egoística que nada arrisca,
E que, esquivando-se do sofrimento,
Perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional.
Fé é colocar seu sonho à prova!
Carlos Drummond de Andrade
Pintura: Franz Dvorak (Pintor austríaco, 1862-1927)
Um pouco de poesia…
Poema
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha
É sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.
Carlos Drummond de Andrade
Pintura: Puvis de Chavannes
Canção do Sonho Acabado
Já tive a rosa do amor
– rubra rosa, sem pudor.
Cobicei, cheirei, colhi.
Mas ela despetalou
E outra igual, nunca mais vi.
Já vivi mil aventuras,
Me embriaguei de alegria!
Mas os risos da ventura,
No limiar da loucura,
Se tornaram fantasia…
Já almejei felicidade,
Mãos dadas, fraternidade,
Um ideal sem fronteiras
– utopia! Voou ligeira,
Nas asas da liberdade.
Desejei viver. Demais!
Segurar a juventude,
Prender o tempo na mão,
Plantar o lírio da paz!
Mas nem mesmo isto eu pude:
Tentei, porém nada fiz…
Muito, da vida, eu já quis.
Já quis… mas não quero mais…
Helenita Scherma
Pintura: Ivan Kramskoi
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
Eugénio de Andrade
Pintura: Alfonso Simonetti