Trio: Outono
FREDERICK MC CUBBIM
JOHN ATKINSOM GRIMSHAW
PHILIP ALEXIUS DE LASZLO
CREPÚSCULO DE OUTONO
O crepúsculo cai, manso como uma benção.
Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito…
As grandes mãos da sombra evangélicas pensam
As feridas que a vida abriu em cada peito.
O outono amarelece e despoja os lariços.
Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar
O terror augural de encantos e feitiços.
As flores morrem. Toda a relva entra a murchar.
Os pinheiros porém viçam, e serão breve
Todo o verde que a vista espairecendo vejas,
Mais negros sobre a alvura unânime da neve,
Altos e espirituais como flechas de igrejas.
Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio
Do rio, e isso parece a voz da solidão.
E essa voz enche o vale…o horizonte purpúreo…
Consoladora como um divino perdão.
O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha
Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos,
Flocos, que a luz do poente extática semelha
A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.
A sombra casa os sons numa grave harmonia.
E tamanha esperança e uma tão grande paz
Avultam do clarão que cinge a serrania,
Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás.
Manoel Bandeira (Brasil, 1866-1968)
Outono chegou…
O crepúsculo cai, manso como uma benção.
Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito…
As grandes mãos da sombra evangélicas pensam
As feridas que a vida abriu em cada peito.
O outono amarelece e despoja os lariços.
Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar
O terror augural de encantos e feitiços.
As flores morrem. Toda a relva entra a murchar.
Os pinheiros porém viçam, e serão breve
Todo o verde que a vista espairecendo vejas,
Mais negros sobre a alvura unânime da neve,
Altos e espirituais como flechas de igrejas.
Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio
Do rio, e isso parece a voz da solidão.
E essa voz enche o vale…o horizonte purpúreo…
Consoladora como um divino perdão.
O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha
Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos,
Flocos, que a luz do poente extática semelha
A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.
A sombra casa os sons numa grave harmonia.
E tamanha esperança e uma tão grande paz
Avultam do clarão que cinge a serrania,
Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás.
Manoel Bandeira
JENNIE AUGUSTA BROWN SCOMBE WILLIAM QUILLER ORCHARDSON
WILLIAM MASON BROWN
EDWARD CUCUEL EMILE AUGUSTE PINCHART
BENJAMIN THOMAS KENNINGTON SOPHIE ANDERSON
JAMES JACQUES JOSEPH TISSOT SIMEON SOLOMON
WILLIAM MASON BROWN
Temas da Pintura: Paisagens – 4
PLENITUDE
Vai alto o dia. O sol a pino ofusca e vibra.
O ar é como de forja. A força nova e pura
Da vida embriaga e exalta. E eu sinto. fibra a fibra,
Avassalar-me o ser a vontade da cura.
A energia vital que no ventre profundo
Da Terra estuante ofega e penetra as raízes,
Sobe no caule, faz todo galho fecundo
E estala na amplidão das ramadas felizes,
Entra-me como um vinho acre pelas narinas…
Arde-me na garganta… E nas artérias sinto
O bálsamo aromado e quente das resinas
Que vem na exalação de cada terebinto.
O furor de criação dionisíaco estua
No fundo das rechãs, no flanco das montanhas,
E eu absorvo-o nos sons, na glória da luz crua
E ouço-o ardente bater dentro em minhas entranhas
Tenho êxtase de santo… Ânsias para a virtude…
Canta em minh´alma absorta um mundo de harmonias.
Vêm-me audácias de heroi… Sonho o que jamais pude
– Belo como Davi, forte como Golias…
E neste curto instante em que todo me exalto
De tudo o que não sou, gozo tudo o que invejo,
E nunca o sonho humano assim subiu tão alto
Nem flamejou mais bela a chama do desejo.
E tudo isso me vem de vós, Mãe Natureza!
Vós que cicatrizais minha velha ferida…
Vós que me dais o grande exemplo de beleza
E me dais o divino apetite da vida!
(Manuel Bandeira)
FREDERICK JUDD WAUGH
LOUIS ASTON KNIGHT
PEDER MORK MONSTED
ALBERT BIERSTADT
BAREND CORNELIS KOEKKOEK
HENRY JOHN YEEND KING
HUGH BOLTON JONES
Pintura: Amar é uma arte ! – Galeria 15
ARTE DE AMAR
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira
EMILE FRIANT
LOUISE EUDES DE GUIMARD JAKOB BECKER
AUGUST WILHELM NIKOLAUS HAGBORG
POMPEO MASSANI
EMIL RUDOLF WEISS
EUGENIO ZAMPIGHI
EDOUARD BERNARD DEBAT-PONSAN
ARTHUR L. VERNON
ARY SCHEFFER ADRIEN MOREAU
WILLIAM-ADOLPHE BOUGUEREAU
Plenitude…
Vai alto o dia. O sol a pino ofusca e vibra.
O ar é como de forja. A força nova e pura
Da vida embriaga e exalta. E eu sinto. fibra a fibra,
Avassalar-me o ser a vontade da cura.
A energia vital que no ventre profundo
Da Terra estuante ofega e penetra as raízes,
Sobe no caule, faz todo galho fecundo
E estala na amplidão das ramadas felizes,
Entra-me como um vinho acre pelas narinas…
Arde-me na garganta… E nas artérias sinto
O bálsamo aromado e quente das resinas
Que vem na exalação de cada terebinto.
O furor de criação dionisíaco estua
No fundo das rechãs, no flanco das montanhas,
E eu absorvo-o nos sons, na glória da luz crua
E ouço-o ardente bater dentro em minhas entranhas
Tenho êxtase de santo… Ânsias para a virtude…
Canta em minh´alma absorta um mundo de harmonias.
Vêm-me audácias de heroi… Sonho o que jamais pude
– Belo como Davi, forte como Golias…
E neste curto instante em que todo me exalto
De tudo o que não sou, gozo tudo o que invejo,
E nunca o sonho humano assim subiu tão alto
Nem flamejou mais bela a chama do desejo.
E tudo isso me vem de vós, Mãe Natureza!
Vós que cicatrizais minha velha ferida…
Vós que me dais o grande exemplo de beleza
E me dais o divino apetite da vida!
(Manuel Bandeira)
A arte de amar…
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira
Versos escritos n´água…
Os poucos versos que aí vão,
Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.
Neles porás tua tristeza
Ou bem teu júbilo, e, talvez,
Lhes acharás, tu que me lês,
Alguma sombra de beleza…
Quem os ouviu não os amou.
Meus pobres versos comovidos!
Por isso fiquem esquecidos
Onde o mau vento os atirou.
Manuel Bandeira
Mascarada…
Você me conhece?
(Frase dos mascarados de antigamente)
– Você me conhece?
– Não conheço não.
– Ah, como fui bela!
Tive grandes olhos,
que a paixão dos homens
(estranha paixão!)
Fazia maiores…
Fazia infinitos.
Diz: não me conheces?
– Não conheço não.
– Se eu falava, um mundo
Irreal se abria
à tua visão!
Tu não me escutavas:
Perdido ficavas
Na noite sem fundo
Do que eu te dizia…
Era a minha fala
Canto e persuasão…
Pois não me conheces?
– Não conheço não.
– Choraste em meus braços
– Não me lembro não.
– Por mim quantas vezes
O sono perdeste
E ciúmes atrozes
Te despedaçaram!
Por mim quantas vezes
Quase tu mataste,
Quase te mataste,
Quase te mataram!
Agora me fitas
E não me conheces?
– Não conheço não.
Conheço que a vida
É sonho, ilusão.
Conheço que a vida,
A vida é traição.
Manuel Bandeira