Soneto
Canta teu riso esplêndido sonata,
E há, no teu riso de anjos encantados,
Como que um doce tilintar de prata
E a vibração de mil cristais quebrados.
Bendito o riso assim que se desata
– Citara suave dos apaixonados,
Sonorizando os sonhos já passados,
Cantando sempre em trínula volata!
Aurora ideal dos dias meus risonhos,
Quando, úmido de beijos em ressábios
Teu riso esponta, despertando sonhos…
Ah! Num delíquio de ventura louca,
Vai-se minh’alma toda nos teus beijos,
Ri-se o meu coração na tua boca!
Augusto dos Anjos
Soneto
E quando nós saímos era a Lua,
Era o vento caído e o amor sereno
Azul e cinza-azul anoitecendo
A tarde ruiva das amendoeiras.
E respiramos, livres das ardências
Do sol, que nos levara à sombra cauta
Tangidos pelo canto das cigarras
Dentro e fora de nós exasperadas.
Andamos em silêncio pela praia.
Nos corpos leves e lavados ia
O sentimento do prazer cumprido.
Se mágoa me ficou na despedida
Não fez mal que ficasse, nem doesse –
Era bem doce, perto das antigas.
Rubem Braga
Pintura “O beijo”: Aimé Perret (França, 1847-1927)
Soneto
Já o Inverno, espremendo as cãs nevosas,
geme, de horrendas nuvens carregado;
luz o aéreo fuzil, e o mar inchado
investe ao pólo em serras escumosas;
Oh! benignas manhãs! tardes saudosas,
em que folga o pastor, medrando o gado,
em que brincam no ervoso e fértil prado
Ninfas e Amores, Zéfiros e Rosas!
Voltai, retrocedei, formosos dias;
ou antes, vem, vem tu, doce beleza,
que noutros campos mil prazeres crias;
e ao ver-te sentirá minh´alma acesa
os perfumes, o encanto, as alegrias
da estação, que remoça a natureza.
Bocage (1755-1805)