Revista Virtual de Artes, com ênfase na pintura do século XIX

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Escolha

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Apesar do medo

escolho a ousadia.

Ao conforto das algemas, prefiro

a dura liberdade.

Vôo com meu par de asas tortas,

sem o tédio da comprovação.

Opto pela loucura, com um grão

de realidade:

meu ímpeto explode o ponto,

arqueia a linha, traça contornos

para os romper.

Desculpem, mas devo dizer:

eu

quero o delírio.

Lya Luft

in Pra não dizer adeus

Pintura: Charles Courtney Curran (EUA, 1861-1942)



Momentos: Lya Luft

The Surprise (before 1827). Claude-Marie Dubufe (French, 1790-1864)

TODAS AS ÁGUAS

Quando pensei que estava tudo cumprido

havia outra surpresa: mais uma curva

do rio, mais riso e mais pranto.

Quando calculei que tudo estava pago,

anunciaram-se novas dívidas e juros,

o amor e o desafio.

Quando achei que estava serena,

os caminhos se espalmaram

como dedos de espanto

em cortinas aflitas. E eu espio,

ainda que o olhar seja grande

e a fresta pequena.

Pintura: Claude-Marie Dubufe


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DANÇA LENTA
 
Não somos nem bons nem maus:
somos tristes. Plantados entre chão
e estrelas, lutamos com sangue,
pedras e paus, sonho
e arte.
 
Nem vida nem morte:
somos lúcida vertigem,
glória e danação. Somos gente:
dura tarefa.
Com sorte, aqui e ali a ternura
faz parte.

Pintura: Vicente Romero Redondo (artista contemporâneo espanhol)


A Study in Red - 1889 - Wiliam Turner Dannat (american painter)

ROSTO COM DOIS PERFIS
 
Renuncio às palavras
e às explicações.
Ando pelos contornos,
onde todos os significados
são sutis, são mortais.
 
Não quero perder o momento
belo. Quero vivê-lo mais,
com a intensidade que exige a vida:
desgarramento e fulguração.
 
Então me corto ao meio e me solto
de mim:
a que se prende e a que voa,
a que vive e a que se inventa.


Duplo coração:
a que se contempla e a que nunca
se entende,
a que viaja sem saber se chega
– mas não desiste jamais.

Pintura: William Turner Dannat



Queda livre

Sonámbula_ (Maximilian Pirner)

QUEDA LIVRE

Bem que eu queria dormir,
mas isso que não esqueço
me chama a noite inteira,
sem nome e sem piedade.

Se abro os olhos, eu caio
no esquecimento. Se durmo,
apagam-se as esperanças
– e não me sobra mais nada.

Devo largar minhas perdas
que ficaram na soleira
entre o passado e o recomeço ?
Sempre que me levanto
eu perco um novo pedaço:
ouço os cacos rolando
a noite toda na escada.

Lya Luft

Pintura: Maximilian Pirner


PERDER, GANHAR…

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Com as perdas, só há um jeito:
perdê-las.
Com os ganhos,
o proveito é saborear cada um
como uma fruta boa da estação.

A vida, como um pensamento,
corre à frente dos relógios.
O ritmo das águas indica o roteiro
e me oferece um papel:
abrir o coração como uma vela
ao vento, ou pagar sempre a conta
já vencida.

Lya Luft