Reverie
"Refugia-te na Arte" diz-me Alguém
"Eleva-te num vôo espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.
Só é grande e perfeito o que nos vem
Do que em nós é Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!"
No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem… E n’Aquele
Que é triste, como eu, fico a pensar…
O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol é cor dos olhos d’Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar…
Florbela Espanca
Pintura: Reverie – Alfred Stevens (Bélgica, 1823-1906)
JANOS LASZLO ALDOR (Hungria, 1895 -1944)
JOHN WILLIAM GODWARD (Reino Unido, 1861-1922)
Simples Fatos
Simples Fatos
É tão difícil calar quando se tem que calar,
e falar quando se tem que falar.
Abrir e soltar;
Falar e pensar.
Cantar e sonhar,
Parar e tocar.
Por pra fora sentimentos contidos
Expressar momentos vividos,
Cogitar idéias,
Trocar matérias,
Reviver momentos profundos
Impedir ou pedir pra que parem o mundo.
Retomar o rumo,
Reerguer os muros,
Gritar alto,
Correr, pular
Respirar fundo
Voar, andar.
Ver a vida passar
Esquecer, relembrar.
Não olhar para trás,
Jamais.
Aprender com os erros
Sempre.
Reclamar, rejeitar
Renegar, ressurgir.
Esses relatos
São simples fatos,
Fatos contados, fatos vividos,
Fatos mudados, fatos lembrados
Isso nos mostra que
a vida é feita de
Simples fatos.
Porém, não tão simples quanto aparentam ser.
Florbela Espanca
Pintura: Edward Hopper
Para quê ?
Tudo é vaidade neste mundo vão…
Tudo é tristeza; tudo é pó, é nada !
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração !
Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão !…
Beijos d’amor! Pra quê ?!…
Tristes vaidades !
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta !
Só acredita neles quem é louca !
Beijos d’amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta !…
Florbela Espanca
Foto: Man Ray
Pintura: Nem tudo são flores… 2
O QUE ALGUÉM DISSE
"Refugia-te na Arte" diz-me Alguém
"Eleva-te num vôo espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.
Só é grande e perfeito o que nos vem
Do que em nós é Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!"
No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem… E n’Aquele
Que é triste, como eu, fico a pensar…
O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol é cor dos olhos d’Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar…
Florbela Espanca
FRIEDRICH VON AMERLING CHARLES EDWARD PERUGINI
TITO CONTI JAMES TISSOT
ANTONINO GANDOLFO
JOHANN GEORG MEYER VON BREMEN AUGUSTUS EDWIN MULREADY
WILLIAM-ADOLPHE BOUGUEREAU PHILIP HERMOGENES CALDERON
FERDINAND GEORG WALDMULLER
Pintura: As cartas (4)
DANIEL HERNANDEZ MORILLO PAOLO BEDINI
ALFRED SEIFERT JOHANNES VERMEER
CARL ZEWY ADOLF EBERLE
AUGUST MULLER EDOUARD FREDERIC WILHELM RICHTER
BERNARD LOUIS BORIONE GEORGES CROEGAERT
VITTORIO REGGIANINI THOMAS BENJAMIN KENNINGTON
LADISLAU WLADISLAW VON CZACHÓRSKI
ESCREVE-ME…
Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d’açucenas!
Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d’oração!
“Amo-te!” Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d’amor e felicidade!
Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então…brandas…serenas…
Cinco pétalas roxas de saudade…
Florbela Espanca
Sonhando…
É noite pura e linda. Abro a minha janela
E olho suspirando o infinito céu,
Fico a sonhar de leve em muita coisa bela
Fico a pensar em ti e neste amor que é teu!
D’olhos fechados sonho. A noite é uma elegia
Cantando brandamente um sonho todo d’alma
E enquanto a lua branca o linho bom desfia
Eu sinto almas passar na noite linda e calma.
Lá vem a tua agora… Numa carreira louca
Tão perto que passou, tão perto à minha boca
Nessa carreira doida, estranha e caprichosa
Que a minh’alma cativa estremece, esvoaça
Para seguir a tua, como a folha de rosa
Segue a brisa que a beija… e a tua alma passa!…
Florbela Espanca
Pintura de Sandor Liezen Meyer
Eu tenho pena da lua !
Eu tenho pena da Lua!
Tanta pena, coitadinha,
Quando tão branca, na rua
A vejo chorar sozinha!…
As rosas nas alamedas,
E os lilases cor da neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas
Só a triste, coitadinha…
Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha …
Eu chego então à janela:
E fico a olhar para a lua…
E fico a chorar com ela! …
Florbela Spanca
Sol posto…
Sol posto. O sino ao longe dá Trindades
Nas ravinas do monte andam cantando
As cigarras dolentes… E saudades
Nos atalhos parecem dormitando…
É esta a hora em que a suave imagem
Do bem que já foi nosso nos tortura
O coração no peito, em que a paisagem
Nos faz chorar de dor e d’amargura…
É a hora também em que cantando
As andorinhas vão p’lo meio das ruas
Para os ninhos, contentes, chilreando…
Quem me dera também, amor, que fosse
Esta a hora de todas a mais doce
Em que eu unisse as minhas mãos às tuas!…
Florbela Espanca