Colar de pérolas
COLAR DE PÉROLAS
A Felicidade é um colar de pérolas,
Pérolas caras, de valor pujante,
Belas estrofes de Petrarca e Dante,
Mais cintilantes que as manhãs mais cérulas.
Para que enfim esse colar bendito,
Perdure sempre, inteiramente egrégio,
Como uma tela do pintor Corregio,
Sem resvalar no lodaçal maldito;
Faz-se preciso umas paixões bem retas,
Cheias de uns tons de muito sol – completas…
Faz-se preciso que do amor na febre,
Nos grandes lances de vigor preclaro,
Desse colar esplendoroso e raro,
Nem uma pérola, uma só se quebre!…
Cruz e Souza (1861-1898)
Pintura: William McGregor Paxton (Baltimore, EUA, 1869 – Boston, EUA, 1941)
Semana Cruz e Souza: Vida obscura
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.
Atravessaste num silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.
Ninguém Te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.
Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo !
Cruz e Souza
Velhas tristezas…
Diluências de luz, velhas tristezas
das almas que morreram para a luta!
Sois as sombras amadas de belezas
hoje mais frias do que a pedra bruta.
Murmúrios incógnitos de gruta
onde o Mar canta os salmos e as rudezas
de obscuras religiões — voz impoluta
de todas as titânicas grandezas.
Passai, lembrando as sensações antigas,
paixões que foram já dóceis amigas,
na luz de eternos sóis glorificadas.
Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
velhas tristezas que se vão embora
no poente da Saudade amortalhadas! …
Cruz e Souza
A Harpa
Prende, arrebata, enleva, atrai, consola
A harpa tangida por convulsos dedos,
Vivem nela mistérios e segredos,
É berceuse, é balada, é barcarola.
Harmonia nervosa que desola,
Vento noturno dentre os arvoredos
A erguer fantasmas e secretos medos,
Nas suas cordas um soluço rola…
Tu’alma é como esta harpa peregrina
Que tem sabor de música divina
E só pelos eleitos é tangida.
Harpa dos céus que pelos céus murmura
E que enche os céus da música mais pura,
como de uma saudade indefinida.
Cruz e Souza
Flor do mar…
És da origem do mar, vens do secreto,
do estranho mar espumaroso e frio
que põe rede de sonhos ao navio
e o deixa balouçar, na vaga, inquieto.
Possuis do mar o deslumbrante afeto,
as dormências nervosas e o sombrio
e torvo aspecto aterrador, bravio
das ondas no atro e proceloso aspecto.
Num fundo ideal de púrpuras e rosas
surges das águas mucilaginosas
como a lua entre a névoa dos espaços…
Trazes na carne o eflorescer das vinhas,
auroras, virgens músicas marinhas,
acres aromas de algas e sargaços…
Cruz e Souza
Madona da tristeza
Quando te escuro e te olho reverente
e sinto a tua graça triste e bela
de ave medrosa, tímida, singela,
fico a cismar enternecidamente.
Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
toda a delicadeza ideal revela
e de sonhos e lágrimas estrela
o meu ser comovido e penitente.
Com que mágoa te adoro e te contemplo,
à da Piedade soberano exemplo,
flor divina e secreta da Beleza !
Os meus soluços enchem os espaços,
quando te aperto nos estreitos braços,
solitária madona da Tristeza !
João da Cruz e Souza (Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis), 24 de novembro de 1861 – Estação do Sítio, 19 de março de 1898)
Tristeza do infinito…
Anda em mim, soturnamente,
uma tristeza ociosa,
sem objetivo, latente,
vaga, indecisa, medrosa.
Como ave torva e sem rumo,
ondula, vagueia, oscila
e sobe em nuvens de fumo
e na minh’alma se asila.
Uma tristeza que eu, mudo,
fico nela meditando
e meditando, por tudo
e em toda a parte sonhando.
Tristeza de não sei donde,
de não sei quando nem como…
flor mortal, que dentro esconde
sementes de um mago pomo.
Dessas tristezas incertas,
esparsas, indefinidas…
como almas vagas, desertas
no rumo eterno das vidas.
Tristeza sem causa forte,
diversa de outras tristezas,
nem da vida nem da morte
gerada nas correntezas…
Tristeza de outros espaços,
de outros céus, de outras esferas,
de outros límpidos abraços,
de outras castas primaveras.
Dessas tristezas que vagam
com volúpias tão sombrias
que as nossas almas alagam
de estranhas melancolias.
Dessas tristezas sem fundo,
sem origens prolongadas,
sem saudades deste mundo,
sem noites, sem alvoradas.
Que principiam no sonho
e acabam na Realidade,
através do mar tristonho
desta absurda Imensidade.
Certa tristeza indizível,
abstrata, como se fosse
a grande alma do Sensível
magoada, mística, doce.
Ah! tristeza imponderável,
abismo, mistério, aflito,
torturante, formidável…
ah! tristeza do Infinito!
(Cruz e Souza)